Um tsunami na imprensa americana

Wagner Schneider
By Wagner Schneider

Há sempre especificidades nacionais, mas andamos todos a falar do mesmo. A crise da imprensa portuguesa não está desligada de tendências globais que têm expressão, a uma escala maior, nos Estados Unidos.

O diagnóstico repete-se de país para país: as receitas publicitárias migraram da imprensa para as mãos de gigantes como o Google e a Meta; os hábitos de consumo de informação mudaram e passam cada vez menos pelo papel e pela televisão linear; os consumidores de informação continuam a resistir a pagar pelo que a imprensa lhes ofereceu gratuitamente durante anos na Internet; as empresas de comunicação social e os seus proprietários, neste quadro já complicado de viabilidade, viram as suas dívidas disparar com a subida das taxas de juro.

Repete-se também o fracasso de soluções apresentadas como milagrosas. A ideia do bilionário benemérito cai por terra com os casos de Jeff Bezos no Washington Post e Patrick Soon-Shiong no Los Angeles Times, que também demonstram os limites dos modelos assentes nas assinaturas online. Tal como projectos puramente digitais, abertos, fortemente ancorados nas redes sociais, na publicidade e nos conteúdos patrocinados, como o BuzzFeed News, conheceram os seus limites há já vários anos. Também não foi o apoio de fundações, de organizações sem fins lucrativos e de fundos públicos a evitar cortes na NPR. Nem resulta o tecnosolucionismo atabalhoado, como se viu no escândalo da utilização de inteligência artificial para produzir artigos assinados por jornalistas virtuais na Sports Illustrated.

Também não será solução a transformação do jornalista num canivete suíço multimédia. Há uns dias, perante a enxurrada de anúncios de despedimentos, o jornalista desportivo norte-americano Jeff Pearlman lançava uma provocação na rede social X: “Se quiseres ser bem-sucedido/sobreviver, tens de te tornar indispensável. Tens de ser capaz de fazer 100 coisas. Não podes ser apenas um escritor. Tens de ser um podcaster, um tiktoker, um blogger. É essa a realidade. É uma chatice, é desgastante, é uma porcaria. Mas é a verdade”.

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Num tom mais sério, ressurgia na mesma rede uma entrevista recente de Taylor Lorenz, jornalista e colunista do Washington Post, em que esta lamentava a impossibilidade de cada jornalista ser simultaneamente um exímio utilizador de redes sociais e uma estrela no vídeo, fazendo com que os seus trabalhos acabem frequentemente por não encontrar a sua audiência. Em resposta a Pearlman ou em comentário a Lorenz, muitos jornalistas norte-americanos, também eles podcasters, editores de vídeo ou influentes utilizadores de TikTok, lembravam que não tinha sido isso a salvá-los do desemprego.

A crise do jornalismo é sobretudo a crise do seu modelo de negócio. O jornalismo continua a ser feito e a ser consumido, talvez mais do que nunca – seja num podcast, numa newsletter ou num vídeo explicador no TikTok. Até mesmo através de um qualquer influencer que regurgita, sem citar fontes, o trabalho de um jornalista.

O que não se descobriu ainda é como pagar o jornalismo e o jornalista. O modelo anterior esgotou-se e o próximo ainda está por aparecer. Ideias há muitas, algumas com sucesso limitado em projectos mais pequenos, logo com estruturas de custo mais “simpáticas”, mas escasseiam soluções testadas, comprovadas e replicáveis em escalas maiores.

Há algumas ilhas de esperança, contudo. Nos Estados Unidos, as televisões locais estão a conseguir manter audiências e receitas publicitárias, mantendo a aposta na informação de proximidade e de utilidade.

Aqui no Vermont, de onde vos escrevo, os noticiários televisivos locais arrancam frequentemente com o boletim meteorológico, com meteorologistas em estúdio a explicar pacientemente onde e quando vai nevar, que rios podem transbordar e que estradas devem ser evitadas. Segue-se a actualidade das assembleias municipais, as notícias das escolas e do desporto escolar, as reportagens sobre os impactos locais de fenómenos nacionais ou globais.

Não há ali prémios de jornalismo à espreita, nem nada que derrube governos, ou que seja citado pela imprensa internacional. Mas há informação elementar, essencial, e há claramente uma audiência para ela. Não tem de passar forçosamente por ali, só por ali, o que quer que seja o futuro do jornalismo. Mas também deve passar.

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